Sinopse
Texto – Francisco José Viegas
Fotografia – Maurício Abreu
Havia um tempo em que os comboios eram o único meio de viajar em Portugal. Pelo menos o mais rápido, o mais utilizado e o mais moderno de todos. Havia um tempo em que as agulhas que mudavam a direcção dos comboios eram todas manuais. Havia um tempo em que os comboios eram a vapor e o seu aroma a carvão queimado se espalhava em longas planícies e vales estreitos, junto às águas de um rio. Havia um tempo em que viajar de comboio era como estar em visitação e em delírio de geógrafo.
Hoje, o comboio que atravessa Portugal de um lado a outro é um veículo sentimental, visitando paisagens construídas ao longo dos carris, memórias desse outro tempo em que a nossa geografia era também possível distribuída por estações, apeadeiros, ramais, jardins floridos em estações solitárias. Poucos são os que viajam de comboio querendo viajar de comboio utilizamos, antes, meios de transporte, sempre mais rápidos que o antigo e quase monótono ritmo de uma locomotiva a subir e a descer por vales, a demorar-se no horizonte quase branco de uma planície.
Por isso, os amantes de comboios são gente rara, coleccionadores de emoções repartidas por partidas e chegadas de recordações de viagem a uma estação que geralmente fica desenhada no interior do coração, de viagens nocturnas por lugares desconhecidos, por travessias de um país que conserva os seus carris mas os vai esquecendo perigosamente.
No entanto, este livro não faz nenhuma história da ferrovia nacional. Não faz nenhuma história de como ela era e vem fixada em fotografias antigas relembrando os comboios a vapor e as carruagens do princípio do século. É, antes, uma descrição do comboio como ele é aos olhos de um geógrafo acidental. Porque a viagem de comboio pelo Portugal de hoje cria uma geografia sentimental, um guia em permanente construção, se estamos a percorrer o Douro na janela de um comboio, a atravessar o calor do Alentejo, a chegar às praias do Algarve, a despedirmo-nos de alguém, a sair de uma estação. Como se está na vida, lentamente.