Sinopse
Estudo apresentado pelo autor para obtenção de grau de doutor, publicado em livro com objectivo de alcançar um público mais alargado.
«Como pediatra especialmente implicado na área do Desenvolvimento infantil, tenho tido a oportunidade de constatar a enorme importância da relação precoce mãe-filho, assim como de todos os fenómenos que envolvem a gravidez, o parto e o recém-nascido numa perspectiva comportamental.
Na minha prática clínica observo, como é frequente, os jovens futuros pais conceptualizarem, um tanto romanticamente, que a sua ligação ao bebé é instintiva a partir do momento em que o bebé nasce; se bem que essa ligação seja de facto natural, está longe de ser instantânea e automática face ao nascimento. As jovens mães sentem esta realidade ao exprimirem o desejo de elucidação, apoio e acompanhamento polivalente durante a sua gravidez.
A sociedade actual, no entanto, fornece apoios insuficientes à futura mãe e o regime de família alargada é quase uma raridade; os avós ou já não existem ou vivem longe dos centros, sendo difícil virem ajudar a nova família. Os futuros pais, em grande número de casos, nunca tiveram oportunidade de cuidar de um recém-nascido e, aliás, esta matéria não faz parte do seu curriculum escolar.
Os futuros pais são hoje pressionados pelos meios de informação a fazerem tudo bem feito, ao mesmo tempo que lhes é dada uma vasta informação de riscos sem contrapartida profiláctica. A ansie-dade em que vivem deriva do facto de sentirem que algo pode não funcionar certo, quer durante o parto quer nos momentos que se lhe seguem. Em Portugal, as maternidades estão ainda embebidas de uma terminologia e de um espírito hospitalar; fala-se em doentes ou em camas, em vez de pessoas; os medicamentos, a aparelhagem e as ocorrências quotidianas estão mais de acordo com uma vivência da patologia do que com processos normais fisiológicos. Durante alguns anos, vivendo tantos momentos à beira das salas de partos, pude reflectir no «stress» da mulher, sobretudo durante os períodos que rodeiam um dos momentos mais significativos da sua vida o nascimento de um filho. É ainda frequente a grávida entrar na enfermaria só, despedindo-se, à porta, do marido ou de qualquer outro parente. O médico ou enfermeira que a acompanharam durante a gravidez não estão em geral presentes. Habitualmente, a grávida não conhece ninguém que a rodeia; quando precisa de conversar tem de fazê-lo com a grávida da cama ao lado, igualmente só e igualmente ansiosa. Está proibida de andar e muitas vezes até de mudar de posição, mesmo quando declara que é isso que lhe apetece. A enfermeira ou o médico aproximam-se por vezes para a observarem ou medicarem e são frequentes os erros pelo «dito» ou pelo «não dito». Na sala de partos continua só, afastada da família e dos amigos. A posição em que vai ficar é obrigatoriamente a de rotina. É frequente estar confusa e adormecida devido à medicação administrada; assim, a sua colaboração é só parcial e a episiotomia ou forceps são frequentes. Quando o bebé nasce, pode vê-lo de relance e é-lhe dito que dai a horas estarão juntos na enfermaria, onde, então, terá a visita do seu marido.» in Introdução.»